* Do tempo realizado e do tempo sonhado *

31 de out. de 2012

A mulher esperando o homem



Não importa que seja a esposa vulgar de um homem vulgar; e que no fim a historia do atraso dele seja também completamente vulgar. Neste momento ela é a mulher esperando o homem; e todas as mulheres esperando seus homens se parecem no mundo, e se ligam por invisível túnel de solidariedade que atravessa as madrugadas intermináveis.

Todas: a mulher do pescador, a mulher do aviador, do médico, do milionário e do ministro protestante...
Devia haver um santo especial pra proteger a mulher esperando o homem, devia haver uma oração forte pra ela rezar; ela está desamparada no centro de um mundo vazio.
Ela começa a odiar os móveis e as paredes; a torneira da pia lhe parece antipática; a geladeira, que aliás, precisa ser pintada, é estúpida, porque ronca de repente e depois o silêncio é mais quieto. A cama é insuportável.
Devia haver um numero de telefone especial para a mulher que está esperando o homem chamar, reclamar providências, ouvir promessas, insistir, tocar outra vez, xingar, bater com o fone.
Devia haver funcionários especiais capazes de abastecer essa mulher de esperança de quinze em quinze minutos, e dizer que no necrotério ele não está, nem no Pronto-socorro, nem em delegacia nenhuma; mas não diria isso de uma só vez, e sim através de informes espaçados, que fossem formando etapas de ansiedades, que quadriculassem lentamente a insônia.
A mulher que está esperando o homem está sujeita a muitos perigos entre o ódio e o tédio, o medo e o carinho.
Se um aparelho registrasse tudo que ela sente, pensa na noite insone, e se o homem, no dia seguinte, pudesse tomar conhecimento de tudo, como quem ouve uma gravação numa fita, é possível que ele ficasse pálido, muito pálido.
Porque a mulher que está esperando o homem recebe sempre a visita do diabo, e conversa com ele. Pode não concordar com o que ele diz, mas conversa com ele.

Rubem Braga

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